Editorial
Descumprir regras eleitorais compensa
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu ontem à tarde, em Brasília, mais uma demonstração de que por mais distantes ideologicamente que estejam os partidos políticos, por mais renhidas que sejam as brigas nos plenários, na imprensa e nas redes sociais, há um interesse comum que une praticamente todas as siglas e parlamentares: a impunidade pelo descumprimento de regulamentos eleitorais.
Aprovada pela comissão com 45 votos favoráveis e apenas dez contrários, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023 conseguiu a façanha de colocar lado a lado, na defesa do mesmo objetivo, líderes do governo Lula e líderes da oposição bolsonarista. E o objetivo é nada nobre. Chamado de PEC da Anistia, o texto estabelece que nenhum partido poderá ser punido por ilegalidades que tenha cometido até o momento da promulgação desta proposta. O que inclui o fato de algumas agremiações terem desrespeitado a norma que estabeleceu repasses mínimos de recursos para candidaturas de mulheres e negros nas últimas eleições. Ou seja, a se confirmar em plenário a tendência escancarada pela CCJ, as agremiações receberão um prêmio por simplesmente ignorarem as regras o perdão das punições. O que inclui ignorar sumariamente as análises feitas pela Justiça Eleitoral com relação ao uso de recursos públicos pelos partidos, incluindo multas que somam mais de R$ 40 milhões.
Outro artigo da mesma PEC também abre uma brecha para subverter legislação de 2015 que passou a proibir o financiamento empresarial de campanhas. Segundo o texto, os partidos poderão voltar a receber dinheiro destas fontes, com a ressalva que sejam usados para quitar dívidas contraídas ou assumidas até agosto daquele ano.
Nunca é demais lembrar: somente em 2022 foram destinados R$ 6 bilhões às siglas. Quantia vultosa, sem dúvida, mas que se ao menos fosse bem utilizada pelos partidos como forma de fortalecer a democracia e garantir a representatividade - determinada pelas regras eleitorais - seria mais aceitável. No entanto, ao ignorar tais normas, sobretudo aquelas que estimulam a participação de mulheres e negros, e ainda se articularem para reverter sanções, os representantes da população dão péssimo exemplo. E que revela o quanto peças publicitárias, propagandas de rádio e TV e discursos ensaiados não costumam passar de hipocrisia para iludir potenciais eleitores.
Diferentemente do cidadão comum brasileiro, trabalhador ou pequeno empreendedor que é duramente fiscalizado e penalizado ao não honrar seus compromissos com a lei e o Fisco, para os políticos há sempre formas de reverter sanções. Nestas horas, para os partidos, não existe distância entre os extremos capaz de provocar desunião. Mesmo que isso afronte todos os brasileiros. Sobretudo mulheres e negros.
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